Manobra e Lendas por Joel Silveira (junho de 1948)

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Questões de limites no Contestado - 1948.
Manobra e Lendas por Joel Silveira.
Sexta-feira, 11 de junho de 1948.

Não são lendas, meu caro Rubem Braga, são fatos e ciência jurídica. Tenho cá comigo material bastante para levar ao muro o mais veemente e o mais sábio dos capixabas: documentos, sentenças, encantadores mapas coloridos, julgamentos e apelações, ações, acordaos, e até mesmo o resultado de uma espécie de plebiscito e foi realizado na zona contestada logo após a decisão da justiça, em 1914.

Tudo isto, é de maneira alguma a lagrimazinha escondida no olho esquerdo de qualquer mineiro, e que me diz - e me diz tão bonito - que o Espírito Santo não tem razão. De qualquer maneira, é confotador e excitante ver os capixabas, como indomáveis bichos antijurídicos, se rebelarem contra os acertos da lei, e continuarem, indevidamente, a manter acesa uma questão que já se tinha esfriado e adormecido no mais e irrespondível pacifismo.

A insatisfação é sempre uma tolice de bom caráter, embora hoje ??? o descontentamento capixaba esteja sendo liderado pelo senhor Carlos Lindenberg, que não é homem de muitas retidões.
Informemos, de princípio, e talvez estejamos encaminhando ao Braga uma revelação nova, informamos que, nessa litigiosa história de limites, o senhor Lindemberg está sendo tão sincero com o seu povo quanto eu para os esquimós da Antártida, hoje duplamente ameaçados por capixabas do Chile e da Argentina. Presta-se o governador espírito santense a uma indecorosa manobra política, qual seja a de se envolver o senhor Milton Campos em uma atmosfera de antipatia nacional ou atraí-lo para determinadas armadilhas que, em política, são sempre fatais.
Rubem Braga me perguntar a quem é o dono da manobra e, consequentemente, é o empresário do Senhor Lindenberg.

Vão aqui as iniciais dele: trata-se do senhor Nereu Ramos, candidato em potencial a Presidência da República e, por isso mesmo, inimigo implacável de todos aqueles que possam vir a ser concorrentes seus na próxima sucessão.
Deixo a história assim em estilo rápido, porque o espaço não permite maiores detalhes, mas tem o elementos suficientes para toda uma reportagem sobre o assunto.

Fosse eu Mineiro e repetiria com indignação a afirmativa escrita por Rubem Braga, de que o senhor Francisco Campos é mineiro. O senhor Campos é um calhorda, e os cariocas geralmente são apátridas. Não há dúvida que foi o senhor Francisco Campos quem escreveu, para Getúlio, a "doutrina" do estado novo e espremeu a numa constituição quase que totalmente copiada do código fascista então em voga na Polônia.
É certo também que na carta de Vargas-Campos foi incluído o artigo 118, que proibia o debate sobre questões de limites entre os Estados.
Mas também é certo que, ao cobrar assim, teve o senhor Campos o cuidado de abolir com os hinos, bandeiras, leis e demais características que davam a cada estado da federação um pouco de personalidade e autonomia.
Por magia própria, deixou o senhor Campos de ser mineiro para se tornar um "brasileiro", denominação mais ampla e, e por conseguinte, é capaz de servir de depósito das calhordices mais largas e mais grossas.

Há, no artigo de ontem do grande Braga, um gracioso preço onde se conta a história de dois mapas que um mineiro teria levado a Getúlio, no Catete, contando como era meninas sem a mutilação territorial e como ficaria a ela depois da mutilação, e como os meninos das escolas mineiras iriam ficar com uma raiva danada de Getúlio se ele chegasse a estreitar os limites da pátria mineira, e como Getúlio ficou emocionado dízimo, etc, etc.

Bem, deve tratar-se de uma lenda capixaba, a que o cronista imprime o, os seus melhores recursos de estilista e de poeta. Infelizmente o meu Impressionismo, a que o próprio Braga já qualificou de "visual", me impede de competir em torneios poéticos, obrigando-me penosamente, as amarras do que vejo e do que sinto.

Tenho cá comigo os documentos, que vem o compulsando atentamente, como se diz em linguagem da Rua Dom Manuel. Não quero subestimar os sentimentos do patriota capixaba Rubem Braga. Mas não posso largar mão do meu abundante cabedal jurídico a respeito de uma questão fronteiriça já definitivamente resolvida. Sabe Braga que sou homem de muita incredulidade, e que jamais me deixaria adormecer ser por lendas ou fantasmagorias.
Tanto assim que, em Belo Horizonte, fizeram inutilmente me impingir, como fato real, a lenda de que os capixabas estão tentando corrigir a geometria circular, afirmando ousadamente que não é a linha reta a distância mais curta entre dois pontos.

Ora, lendas...

Pesquisa e transcrição: Fábio Pirajá.

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